Sexta-feira, 9 de Janeiro de 2004

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'Armadilhas'

Dolly acusa Coca-Cola de concorrência desleal

A Dolly, marca popular de refrigerantes, entrou com protocolo administrativo contra a gigante Coca-Cola no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), acusando-a de concorrência desleal e abuso do poder econômico.

A empresa nacional quer a aplicação de Lei Antitruste e afirma, ainda, que processará a multinacional nos tribunais americanos. Sustenta também que pedirá indenização milionária por danos morais e patrimoniais.

O empresário Laerte Codonho, proprietário da Dolly, afirma ter provas de que a Coca-Cola "armou" uma série de armadilhas para "detoná-lo" e acabar com sua empresa. Ele deu o nome de "arquivo lodo" à base de dados com as supostas provas contra a multinacional.

A estratégia da Coca-Cola para destruir a Dolly, segundo Codonho, usou e abusou de armas como espionagem, ameaças, pressões junto a fornecedores, sabotagem, corrupção e disseminação de boatos junto aos consumidores.

A reportagem da revista Consultor Jurídico deixou dois recados para a assessoria de imprensa da Coca-Cola, mas não obteve retorno até o fechamento da notícia.

"Arquivo lodo"

As provas mais preciosas do arquivo de Codonho seriam gravações com o executivo Luis Eduardo Capistrano do Amaral, que teria cometido as ilegalidades a mando de seus superiores na empresa Panamco e da matriz da multinacional.

Capistrano é ex-diretor de compras e estratégias da Panamco — hoje de propriedade de Coca-Cola Femsa —, empresa responsável pelo engarrafamento, distribuição e venda de produtos da marca Coca-Cola, principalmente, na América Latina.

Um dos motivos que teriam despertado a ira da Coca-Cola contra a Dolly seria o fato de "o sabor guaraná estar ganhando mercado das colas".

Acusação na Internet

Entre as supostas provas de Codonho, estaria a revelação de Capistrano de que a foi a Coca-Cola que criou e divulgou na Internet uma mensagem falsa afirmando que os refrigerantes Dolly faziam mal à saúde.

Segundo Codonho, com a circulação do boato, as vendas da Dolly despencaram. "Além da mensagem fraudulenta, distribuíram panfletos com as afirmações falsas em pontos de venda, nos ônibus, no metrô, postos de saúde, hospitais e academias de ginástica", afirmou.

Leia o protocolo administrativo:

Ilustríssimo Senhor Conselheiro Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

Ragi Refrigerantes Ltda., atual denominação de DOLLY do Brasil Refrigerantes Ltda., pessoa jurídica de direito privado, sediada na cidade de Diadema, Estado de São Paulo, a Av. Paranapanema, 192, inscrita no CNPJ sob n. 02.286.974/0001-09, com inscrição estadual nº 286.149.278.116, neste ato representada por Júlio César Requena Mazzi, acompanhado de seu advogado, ambos ao final assinados, vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., para requerer a instauração de competente Procedimento Administrativo, visando a apuração de práticas que, em tese, caracterizam concorrência desleal e abuso de poder econômico, atribuídas à concorrente COCA-COLA:

1. A requerente é fabricante do refrigerante de marca DOLLY. Para projetar o produto e a marca, a fim de concorrer no mercado, tem investido em qualidade e em publicidade. Com o crescimento da aceitação do produto e do fortalecimento da marca, passou a preocupara a concorrente COCA-COLA.

2. De acordo com o relato de um ex-direto desta, de nome Capistrano, ele foi contratado pela requerida para eliminar o produto e a marca DOLLY do mercado de refrigerantes. No dizer do Sr. Capistrano, ele foi contratado especificamente para "detonar" o produto e a marca DOLLY. E o mais grave: Ainda segundo o relato dele, valiam todos os meios, sujos, antiéticos, ilícitos etc., para tirara a marca e o produto DOLLY do mercado.

3. Não se viu a concorrente ameaçada de perder a fatia maior do mercado, segundo aquele ex-diretor contratado para eliminar o produto e a marca DOLLY. Os quatro ou cinco ponto que a requerente tinha no mercado, com predominância do refrigerante de guaraná, é que a incomodava. De acordo com Sr. Capistrano, a COCA-COLA não admite que refrigerante de outro sabor, como no caso de guaraná, tenha crescimento no mercado. Daí a razão maior para a eliminação do produto e da própria marca.

4. Tenha-se presente que a marca DOLLY foi a primeira ao segmento de refrigerantes dietéticos no Brasil. E o produto foi lançado como o sabor guaraná, e com o nome de "DIET" DOLLY". Vale dizer: o refrigerante de guaraná foi o primeiro a ser produzido e continua a ser o carro-chefe dos produtos DOLLY.

5. A requerente iniciou suas atividades no ano de 1998. Desde então, ouvia comentários que a concorrência "jogava duro e sujo" na disputa do mercado, as maiores pretendendo o monopólio. Mas hesitava em acreditar que empresas multinacionais, como a concorrente COCA-COLA, que alardeia atuar no mercado dentro dos princípios éticos, utilizasse práticas anticoncorrenciais como as que ela efetivamente utilizou, na tentativa de eliminar o produto e a marca DOLLY.

6. Para tentar eliminar o produto e a marca DOLLY do mercado, a concorrente, como primeiro passo do caminho adrede preparado para isso, por meio do ex-diretos Capistrano, contratado, enfatize-se, para a destruição da marca DOLLY, procurou fornecedores, impondo-lhe o conhecido poder econômico que detém a ameaçando-os de interrupção das compras, caso eles continuassem a fornecer à requerente.

7. A concorrente não obteve êxito total nessa primeira etapa do plano engendrado para retirar do mercado o produto e a marca DOLLY. Essa parte do plano foi expressamente admitida pelo ex-diretor, Sr. Capistrano, contratado, insiste-se, para eliminar, ou "detonar", segundo duas palavras, o produto e a marca DOLLY.

8. Outras práticas abusivas, antiéticas e ilícitas, algumas permeando o Direito Penal, foram adotadas pela concorrente visando a destruir e eliminar do mercado o produto e a marca DOLLY. Quem as executava era o ex-diretor Capistrano, sob o mando de seu superior, de nome Jorge Giganti.

9. Na tentativa de destruir o produto e a marca DOLLY, a "Coca-Cola", fez circular via internet (por e-mail), boato ou falsa notícia de que o refrigerante causava diversas doenças, inclusive câncer, dando conta que 23 pessoas haviam passado "pelo Hospital das Clínicas apresentando sintomas de tais doenças e que pesquisas realizadas pelo renomado Instituo Fleury apontaram grande quantidade de Fenofinol Ameido e Voliteral, substâncias tóxicas e que causam, respectivamente, a má atividade dos rins e câncer".

E mais: "Segundo o Dr. Paulo José Teixeira, formado pela USP e especialista em toxicologia, as pessoas não devem ingerir mais o citado refrigerante". E conclui o falso boato: "A direção da DOLLY já assumiu sua culpa e prometeu indenizar os pacientes e todos aqueles que venham a se contaminar com o guaraná". E conclama: "Passe essa mensagem para frente. Não podemos deixar que mais pessoas se sofram! Lembre que o próximo pode ser você" (sic).

10. Ao tomar conhecimento dessa falsa notícia, a requerente dirigiu-se ao Hospital das Clinicas, ao Instituo Fleury, e procurou informações sobre o médico, Dr. Paulo José Teixeira, citados no e-mail. No Hospital das Clínicas nada havia registrado a respeito. No Instituto Fleury, idem. Quanto ao médico Dr. Paulo José, nenhuma informação se obteve. Tudo havia sido criado por mente fértil, maldosa e com o propósito certo de prejudicar o produto e a marca DOLLY. E essa mente estava a serviço da concorrente.

11. Pode-se imaginar a circulação de e-mail desse teor e com tal propósito, tendo por trás o interesse de concorrente tão poderosa.

12. Com a intenção precípua de preservar direitos, a requerente registrou o fato no Setor de Investigações de Crimes de Alta Tecnologia - SICAT, Departamento da Polícia Civil do Estado de São Paulo. O registro é de 28/11/2000. Interpelou pessoas judicialmente. Fez novo registro na 3º Distrito Policial de Diadema, Estado de São Paulo, em 06/12/2001, em razão da continuidade de circulação daquele e-mail contendo aquela falsa notícia. Debalde os registros e as interpelações quanto à autoria.

13. Passou a requerente a sofre constantes fiscalizações dos órgãos públicos, inclusive por Procurador da República, com atuação na Justiça de São Bernardo do Campo. Essa perseguição motivou representação perante a Corregedoria Geral do Ministério Público Federal. Por razões de for íntimo, como alegou, o Dr. Procurador da República declarou-se suspeito em relação aos processos em que figura a requerente.

14. Recentemente, a requerente tomou conhecimento, por meio de confissão espontânea do Sr. Capistrano, ex-diretor da concorrente, de que ele, como preposto desta, estava por trás de todas essas perseguições, assim como fora ele o responsável pela tentativa de não fornecimento de insumos para envasamento dos produtos DOLLY e pela veiculação da falsa notícia segundo a qual o refrigerante DOLLY causava doenças.

15. De forma cínica e deslavada, o Sr. Capistrano confessou ter sido contratado pela concorrente para eliminar o produto e a marca DOLLY do mercado, enfatizando que vali tudo para esse fim. Após essa confissão, os representantes da requerente, juntando outros elementos, como notícias destacadas de jornais e revistas, dando conta de que a requerente praticava dumping, vendendo seus produtos a preços predatórios, o que não correspondia à verdade, foi que houve o convencimento, pólos representantes da requerente, de que a concorrente era a sua carrasca, pois queria destruí-la.

16. O Dr. Procurador da República, que se declarou suspeito em relação à requerente, chegou a acusa-la de concorrência desleal, atribuindo-lhe a prática de dumping. Mas ao se defender dessa acusação, o requerente demonstrou que jamais praticara preços predatórios. Também demonstrou que quem os pratica é a requerida, por meio da venda do refrigerante SIMBA, lançado por ela, segundo corre no mercado, para eliminar os chamados "tubaineiros".

17. Ao tentar impedir o fornecimento de insumos à requerente para envasar seus produtos, a concorrente usou de forma indevida o seu poder econômico; ao fazer circular a falsa notícia de que o refrigerante DOLLY causava doenças, praticou concorrência desleal; e ao transformar a requerente em alvo de perseguição para retira-la do mercado, também abusou do poder econômico, sendo evidente sua vocação se perpetuar no domínio do mercado.

18. As práticas anticoncorrenciais que acabam de ser relatadas merecem minuciosa apuração por parte deste Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, cujo objetivo principal é a promoção de uma economia competitiva pro meio da prevenção e da repreensão de ações que possam limitar ou prejudicar a concorrência, com base na Lei Antitruste, Lei nº 8.884/94.

19. A concorrente da requerente, agindo como age, nega a possibilidade de justa concorrência, frustrando o igual direito de acesso dos agentes econômicos ao mercado (1) (2).

20. É pertinente a lição de Eros Roberto Grau:

"As regras da Lei nº 8.884/94 conferem concreção aos princípios da liberdade, da livre concorrência da função social da propriedade, da defesa dos consumidores, da repressão ao abuso do poder econômico, tudo em coerência com a ideologia constitucional adotada pela Constituição de 1988. Esses princípios coexistem harmonicamente entre si, conformando-se, mutuamente, uns aos outros. Daí porque o princípio da liberdade de concorrência ou da livre concorrência assume, no quadro da Constituição de 1988, sentido conformado pelo conjunto de demais princípios por ela contemplados; seu conteúdo é determinado pela sua inserção em um contexto de princípios, no qual e com os quais subsiste em harmonia".

(…)

Força é que reconhecemos, de uma parte, que a livre concorrência é elevada à condição de princípio de ordem econômica, na Constituição de 1988, mitigadamente, não como liberdade anárquica, porém social (p. 248/251)

21. Arremate-se argumentando com a Constituição da República, a qual, no artigo 173, parágrafo 4º, dispõe que: "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".

A requerente pede e espera que este Conselho apure, com o necessário rigor, como é de costume, os fatos aqui relatados, que caracterizam abuso de poder econômico e concorrência desleal, aplicando à infratora as penalidades cabíveis.

Embora esta representação vá instruída com documentos, a requerente protesta pela juntada de outros, assim como por novos esclarecimentos e novas provas, inclusive de natureza oral.

Termo em que,

P. Deferimento.

De São Paulo para Brasília, 12 de agosto de2003.

Julio César Requena Mazzi

Notas de rodapé

1- Como ensina José Aguiar Dias: A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e subjetivo, do mau procedimento imputável. Á conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica vontade direta de prejudicar, confira a culpa no sentido amplo; e simples negligência em relação ao direito alheio que vem a ser a culpa no sentido estrito e rigorosamente técnico (p. 108). No outro volume de sua obra (p. 380), adotando classificação de Lalou (atos ilícitos contra a honestidade, contra a habilidade e contra a lei), esclarece: atos contra a honestidade se definem aqueles que constituem tanto o delito pena como de maneira mais geral, os que traduzem a deslealdade ou desonestidade, estejam, ou não, catalogados na lei penal: a máxima fraus omnia corrumpti, eis a fórmula que abrange com exatidão todo o alcance da idéia.

2- como ensina Rubens Requião, quando a atividade empresarial objetiva a destruição de empresas concorrentes, para dominação da clientela e dos mercados, subseqüente imposição de preços mais elevados, o poder público interfere para os excessos do domínio econômico. (Curso de Direito Comercial, p. 320//0).

Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2003.

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