Fábio Melo, que também é sócio de Jorge Giganti, recebia R$ 1 milhão a cada ponto de mercado que tirava da Dolly, pagos pela Spal a uma empresa, Rio Branco, que repassava o dinheiro para ele e seus sócios, em contrato assinado à época por Marco Aurélio Eboli, atual vice-presidente jurídico da Panamco-Femsa; Ministro da Justiça receberá novos dados e deverá ser acionado para garantir proteção às testemunhas.

SÃO PAULO, 5 - O Jornal Valor Econômico, em sua edição de hoje (página B5), traz mais uma importante revelação na trama armada pela multinacional Coca-Cola e sua engarrafadora em São Paulo para destruir a concorrente nacional Dolly. Em 2000, foram contratados os serviços de um outro consultor, Fábio Claro Figueira de Melo, para tirar - sempre de forma irregular - pontos de mercado da Dolly. Segundo o jornal, em matéria assinada pela repórter Raquel Balarin, Fábio já responde, na Justiça, a processo de crime falimentar, onde foi condenado em primeira instância e proibido de exercer atividade comercial.

ENCONTRO COM O MINISTRO DA JUSTIÇA - "É importante que fique claro, ainda, que tenho provas de que, inclusive, havia um contrato assinado por Marco Aurélio Eboli, atual vice-presidente jurídico da engarrafadora Coca-Cola, com a empresa Rio Branco, que recebia os cheques, e então os repassava a Fábio Melo e seus sócios", declarou Laerte Codonho, presidente da Refrigerantes Dolly, acrescentando dados ainda mais graves à matéria publicada hoje.

Por esse fato e outros, ainda mantidos em sigilo, Codonho deve se encontrar pessoalmente na semana que vem com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para que sejam tomadas, o mais rápido possível, as devidas providências. "Levarei a ele fatos que chegarão a abalar algumas instituições nacionais. É preciso romper o silêncio das autoridades e da própria Coca-Cola. Eu não estou brincando", garante o empresário.

"Venda, enquanto vale alguma coisa", ouviu Codonho

Certo de que estava sendo esmagado pela gigante concorrente, durante os últimos três anos, Laerte Codonho, presidente da Dolly, além de resistir, dedicou-se a reunir provas e documentos para alicerçar as denúncias que estão sendo levadas agora a público. Em junho e julho deste ano, conseguiu, orientado por seus advogados, gravar mais de 30 horas de vídeo de conversas suas com Luís Eduardo Capistrano do Amaral, ex-diretor de compras e estratégia da Spal-Panamco (maior engarrafadora da Coca no Brasil, recém adquirida pela mexicana Femsa por US$ 3,6 bilhões).

Capistrano, sempre intimidador, se aproximou de Codonho, alegando ser intermediário do vice-presidente da Femsa no México, Ernesto Torres, em uma proposta de compra da Dolly. "Ele chegou a me dizer que era melhor vender agora, enquanto ainda valia alguma coisa", acusa Codonho.

As fitas e documentos comprovam que Capistrano foi contratado por Atlanta (sede mundial da Coca-Cola), nos EUA, para organizar e executar um plano completo, que acabasse com a indústria que desde 98 tirava preciosos pontos do mercado, inclusive atingindo o próprio refrigerante Coca-Cola. Segundo as análises por eles feitas à época, já era perceptível a mudança de preferência do consumidor pelos guaranás, em especial Dolly e Diet Dolly, principalmente na embalagem de 2 litros.

Nas gravações, Capistrano admite, declara e dá detalhes desse plano, grande parte por ele próprio executado, com aval e a mando de Jorge Giganti, ex-presidente da engarrafadora da Coca-Cola, e também ex-presidente da Coca-Cola no Brasil, México e Argentina, gravemente implicado nestas denúncias. Denúncias que se tornam agora ainda mais graves, porque Giganti seria sócio de Fábio Melo, o consultor que o jornal Valor revela na edição de hoje.

Missão Super-Secreta

Laerte Codonho também tem gravadas conversas nas quais o próprio Fábio Melo conta como pressionou fornecedores. Nesse trabalho, ele teria recebido, conforme Capistrano, R$ 2 milhões de reais, correspondentes a dois pontos que pesquisas indicaram que Fábio Melo teria conseguido obter. O pagamento teria sido feito com notas fiscais da Spal, para uma empresa, a Rio Branco, que então repassava o valor a Melo e seus sócios.

"Tínhamos planos de estrangulamento total", disse Capistrano nas gravações, que serão entregues à polícia e ao ministro. "Não ia ter mais matéria prima no mercado para você. Não estou brincando, não. Nem açúcar, nem plástico", diz Capistrano, sobre sua missão "super-secreta". "Muito pouca gente sabia".

ENTENDA MELHOR O CASO - A Dolly, uma das principais indústrias nacionais de refrigerantes, conseguiu pela primeira vez reunir provas contundentes da participação do Sistema Coca-Cola, nacional e internacional, na formulação e aplicação de um plano para destruir a empresa. Além do processo no CADE, há vários inquéritos policiais, e a empresa está entrando nos próximos dias, aqui no Brasil e na Justiça norte-americana, com processo e solicitação de indenização por danos morais e patrimoniais contra a Coca. O caso deverá estender-se para várias outras esferas, inclusive criminais.

Entre os fatos que este assunto levanta, se mostra, entre outros detalhes graves sobre a condução "ética" da multinacional, que a Coca-Cola utilizou métodos como sabotagem, espionagem, corrupção de órgãos e agentes públicos, ameaças pessoais, divulgação de notícias falsas, coação de fornecedores, visando acabar, na verdade, não somente com a Dolly, mas com o todo o mercado concorrente nacional, das "emergentes", por eles chamadas de forma depreciativa, de "tubaínas". A Dolly foi, segundo o que está sendo revelado, e que deverá trazer à tona ainda muitos outros nomes envolvidos, a "primeira" vítima.